O papel da China nos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento
Autores: Maria Elena Rodriguez e Renan Canellas
Nos últimos anos, a China tem se tornado um dos maiores provedores de financiamento para o desenvolvimento no mundo. Muitos desses financiamentos têm sido realizados a partir dos bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs), espaços financeiros internacionais que captam recursos no mercado e direcionam estes para projetos públicos e privados nos países membros, com importantes impactos socioeconômicos (COSTA; GONZÁLEZ; ALMEIDA, 2014).
Apesar da China hoje ocupar e disputar esses espaços multilaterais como um ator provedor de crédito, o país foi historicamente um tomador de empréstimos nessas plataformas (HUMPHREY; CHEN, 2021). Essa nova dinâmica se manifesta, por exemplo, através da Estratégia de Parceria de País (Country Partnership Framework – CPF, na sigla em inglês) firmada entre o Banco Mundial e a China. Este CPF cobre um período de seis anos (anos fiscais de 2020 a 2025) e busca um declínio nos empréstimos por parte da China e um envolvimento mais seletivo em linha com os compromissos de aumento de capital acordados por seus acionistas em 2018 (BANCO MUNDIAL, s.d.).
É impossível negar que há um claro esforço do governo chinês em expandir consideravelmente o capital político e financeiro para participar nos BMDs, bem como para criar novos. Isso demonstra um claro suporte para a cooperação baseada no multilateralismo com a finalidade de enfrentar desafios globais, e que essa participação nos bancos multilaterais atende aos interesses políticos da China no que diz respeito a sua estratégia de política externa (HUMPHREY; CHEN, 2021). É consenso, também, que a ideologia política chinesa – a partir do entendimento de que a China ocupa um papel de potência global – espera que o país consiga aumentar seu poder de influência em espaços como o Banco Mundial e o FMI através do aumento de participação acionária. Ainda assim, o país segue sendo um tomador de empréstimos no Banco Mundial e no Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), com o objetivo de insistir no seu status de “maior país em desenvolvimento do mundo” na Organização Mundial de Comércio. De acordo com Humphrey e Chen (2021), a China se posiciona como líder do mundo em desenvolvimento e resiste a ser incluída em grupos de países ricos, como a OCDE e o Clube de Paris, apesar de seu papel cada vez mais proeminente como credor oficial bilateral.
Dois BMDs criados pela China merecem destaque: o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII) e o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) – também conhecido como banco dos BRICS. Sobre o BAII, pode-se dizer que em dezembro de 2022 o banco agrupa 105 membros, sendo assim o segundo maior em membresia, atrás somente do Banco Mundial – destes, 5 são do G7 (AIIB, s.d.). O Banco assume um papel importante para China, uma vez que esta é sua maior acionista, dando a ela o poder de veto – muito similar ao poder exercido pelos EUA no Banco Interamericano de Desenvolvimento (HUMPHREY; CHEN, 2021). Já no que se refere ao NBD, diferentemente do BAII, o modelo de participação possibilita a divisão exata das ações e do poder de voto para os cinco membros fundadores. Nesse sentido, a China não exerce um poder dominante na governança do banco, já que todas as decisões devem ser acordadas por consenso (HUMPHREY; CHEN, 2021). Mas ainda assim, o Banco dos BRICS possibilita uma maior inserção da China na cooperação Sul-Sul, trazendo ganhos diplomáticos.
Ambos os Bancos oferecem a China uma oportunidade para reforçar suas credenciais multilaterais como uma potência em ascensão que cooperar com outras nações para alcançar objetivos de desenvolvimento compartilhados, mas dentro de uma estrutura de governança não controlada por outras potências globais (HUMPHREY; CHEN, 2021).
A partir das contribuições de Humphrey e Chen (2021), no relatório “China in the multilateral development banks”, uma avaliação crítica que pode ser feita sobre o papel da China nos BMDs é que, mesmo que esse engajamento nessas arenas multilaterais gere um certo grau de prestígio e um “soft power informal”, essa dinâmica não altera a posição subordinada que o país ocupa. Além disso, suas tentativas de acumular controle acionário em novos BMDs vão contra seus esforços para ser visto como um ator que apoia outros países em desenvolvimento. Muito pelo contrário, o BAII, por exemplo, se coloca como uma oportunidade para a China exercer poder como as potências ocidentais fazem nas instituições multilaterais do pós-segunda guerra. Isso traz luz ao papel ambíguo exercido pela China na governança desses bancos multilaterais, e como afirmam os autores, revela muito das prioridades políticas chinesas e suas relações com outros países “desenvolvidos” e em “desenvolvimento”.