Entrevista e Palestra com o Professor Li Xing sobre a China e os BRICS

No dia 13 de março de 2019, o Centro de Estudos e Pesquisas BRICS recebeu o Professor Li Xing da Universidade Aalborg, na Dinamarca, no evento “A Economia Política Internacional dos BRICS”. Ele possui Doutorado em Desenvolvimento e é o Diretor do Centro de Pesquisa sobre Desenvolvimento e Relações Internacionais da Universidade de Aalborg, Diretor Honorário do Instituto de Estudos de Soft Power da Universidade de Jianxing e Editor-Chefe do Journal of China and International Relations.

O Professor Li começou sua apresentação cobrindo alguns aspectos da evolução histórica dos BRICS e questões centrais de suas economias, indicando que o arranjo não está desafiando o sistema liberal – ao contrário, beneficia-se dele e da atual ordem mundial. O BRICS não é composto por poderes igualitários, parecendo mais uma “China com parceiros”, embora também sirva como uma aliança política que busca superar limites nacionais.

Posteriormente, ele comparou o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) com o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), afirmando que este desafia a ordem financeira e o sistema de Bretton Woods e explicando seus princípios e seu foco em infraestrutura – segundo um ditado chinês, “se você quer ser rico, construa estradas”.

O Professor Li também citou algumas complicações intrabloco e estabeleceu fundamentos teóricos para analisar a China e os BRICS, incluindo uma comparação entre as teorias gramsciana e neogramsciana e sua própria teoria da “hegemonia interdependente.” Concluiu mencionando que a China tem múltiplas posições nas questões globais, já que ela ainda se considera um país em desenvolvimento e rechaça a ideia de ser egemon, ao mesmo tempo que alguns países ocidentais a percebem como uma ameaça à ordem mundial.

Antes da palestra, Pedro Steenhagen, formado recentemente no Mestrado em Análise e Gestão de Políticas Internacionais (MAPI) do IRI/PUC-Rio e ex-assistente de pesquisa do Laboratório de Financiamento e Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (LACID) do BPC, entrevistou o Professor Li. Leia abaixo a entrevista na íntegra.

 

 

Pedro Steenhagen: Primeiramente, obrigado por esta entrevista e parabéns pelo seu mais recente livro, The International Political Economy of the BRICS (Routledge, 2019). É uma honra recebê-lo no Centro de Estudos e Pesquisas BRICS para uma palestra sobre um tópico tão importante na política internacional. O objetivo principal dessa conversa é explorar perspectivas sobre a China, os BRICS e a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, considerando os atuais desafios do Sistema Internacional. Como você descreveria a relação entre a política externa da China e suas iniciativas de cooperação internacional? O que você espera da Agência Chinesa para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (ACCID) nos próximos cinco anos e como você acha que ela irá relacionar-se com a iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” (UCUR)?

Li Xing: As iniciativas chinesas para o desenvolvimento são muito recentes. Se você olhar para a proposta “Um Cinturão, Uma Rota”, lançada por Xi Jinping em 2013, ela tem cinco anos de existência e muita coisa aconteceu desde então. Isso porque a economia da China chegou a um nível que o tornou crescentemente atendo ao resto do mundo. Quando a China iniciou suas reformas econômicas, há quarenta anos, o líder chinês Deng Xiaoping disse à população chinesa que “não importa se um gato é preto ou branco, desde que ele capture ratos”. Durante a Guerra Fria, ninguém sabia quem seria o líder do Terceiro Mundo, então, a China decidiu concentrar-se em seu desenvolvimento. É assim que podemos enxergar a China por um longo período: muito focada em si mesma. No entanto, agora, a China está diante de uma realidade em que seu desenvolvimento está conectado com o resto do mundo. Ele está ligado à América Latina, à África e à Ásia. Hoje, a China tem tecnologia e recursos financeiros; mas, ao mesmo tempo, não tem recursos naturais suficientes. O Brasil e a América Latina, em contrapartida, possuem muitos recursos, então, você pode entender por que a China teve de considerar os custos e os benefícios de sua posição prévia. O desenvolvimento chinês não pode evitar a participação e o reconhecimento de outros países, especialmente durante a atual guerra comercial com os EUA de Trump. Nesse sentido, as iniciativas e as políticas de desenvolvimento da China, como a UCUR, têm tremendo impacto no nosso mundo. Apesar de a América Latina e o Brasil, geograficamente, não fazer parte da UCUR, o seu sucesso pode ser um excelente exemplo para o mundo de que o desenvolvimento da China é baseado em uma situação ganha-ganha. Essa é a mensagem que a China quer promover. Entretanto, algumas pessoas desafiam essa noção de benefícios mútuos. Se você olhar para a China nos BRICS, não se trata de um grupo simétrico; na verdade, é um grupo bastante assimétrico. Afinal, a China é muito mais dominante que os demais países membros.

 

Pedro Steenhagen: Considerando o crescente número de atores que têm engajado na cooperação internacional em anos recentes, particularmente aqueles do Sul Global, e as diferenças em suas abordagens em comparação com doadores tradicionais, você acha que a China tem algo único para oferecer agora? É possível dizer que a China mudará as formas tradicionais de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento?

Li Xing: Claro, se você fala na China em conexão com a ajuda internacional, primeiro, você deve entender o que é ajuda internacional, quais são suas normas, valores e regras do sistema de ajuda internacional, bem como as suas relações de poder. Os países doadores tradicionais moldaram as instituições do sistema de ajuda por décadas, porém, quando a China se tornou um dos maiores doadores, o modo chinês de fazer as coisas foi completamente diferente, porque a China atua com características chinesas. Vou dar alguns exemplos para demonstrar que o jeito chinês é único. Primeiro, se você é um país recipiendário, quantas escolhas você tem? No mínimo, você tem duas: você pode escolher por receber ajuda ou de um doador tradicional ou de um novo doador, certo? Isso significa que países em desenvolvimento não necessariamente precisam permanecer dependentes do poder econômico de um parceiro; porque, se ele não te tratar bem, você pode ir para outro doador. Segundo, a ajuda chinesa não tem qualquer vínculo ou condicionalidade política. Isso é extremamente importante porque muitos países receptores sofrem com as condicionalidades. Por exemplo, você tem de ser democrático, você tem de ser bom em direitos humanos, entre muitas outras condicionalidades vinculadas. Terceiro, a China tem preferências individuais quando oferece dinheiro a outros países, já que ele precisa ser utilizado para promover desenvolvimento econômico, ao invés do chamado soft power. A China tem preferência por estradas, aeroportos, portos, trens, infraestrutura. Isso tudo é muito importante para o desenvolvimento econômico, mas o Ocidente tem um entendimento diferente. Commodities precisam ser exportadas, pessoas precisam entrar, e aí o dinheiro é ganho. Se esses fluxos são bloqueados, você não ganhará dinheiro, mesmo se você for bom na promoção de democracia e de direitos humanos. Democracia e direitos humanos são soft powers, portanto incapazes de promover desenvolvimento econômico por si só. Quarto, a China mantém um posicionamento terceiro-mundista, como um país em desenvolvimento. Hoje, a sociedade internacional tem dificuldades em reconhecer a China como um país em desenvolvimento, porém a China se enxerga como o maior país em desenvolvimento, prezando pela igualdade entre os países em desenvolvimento e promovendo a cooperação Sul-Sul e situações de ganho mútuo.

 

Pedro Steenhagen: Como os BRICS podem beneficiar-se da ascensão da China e ter um papel mais relevante na economia política global? Considerando os BRICS tanto como um grupo coordenado quanto como países individuais com interesses diversos e capacidades de poder assimétricas, quais são seus desafios e suas oportunidades no cenário internacional?

Li Xing: Eu acho que, dentro de sua estrutura, trata-se de um grupo que não lida com poderes igualitários, tendo em vista que a China é muito mais dominante que os demais. Além disso, enquanto é o maior ou um dos maiores parceiros comerciais de todos os países BRICS, em geral, eles não se encontram dentre os parceiros mais significativos da China. Adicionalmente, é bom lembrar que o PIB chinês sozinho representa 55% do PIB dos BRICS. Portanto, como você pode perceber, é um grupo assimétrico, e a ascensão da China criou oportunidades e desafios. Alguns acadêmicos do Reino Unido e da Argentina, por exemplo, são bastante críticos, porque eles olham extensivamente para os desafios e limitações e eu concordo com eles. No entanto,  também tento lembrá-los que há muitas oportunidades advindas da ascensão da China. Por exemplo, o Brasil vende muitas commodities para a China e ganha uma quantia considerável de dinheiro, e essa é uma oportunidade. Tal situação fez com que o Brasil se tornasse um provedor primário de commodities para a China, resultando em um processo de desindustrialização que é hoje um desafio para o país. Muitos acadêmicos culpam a China pela desindustrialização do Brasil, mas a China não está fazendo uso de armas para forçar isso. É a escolha do Brasil.

 

Pedro Steenhagen: Obrigado pelo seu tempo e pela sua consideração, Professor Li, e parabéns, mais uma vez, pelo lançamento de seu mais recente livro!