Resultados da COP28
Durante as semanas do dia 30 de novembro ao dia 12 de dezembro, foi realizada a 28ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 28). A Plataforma Socioambiental, do BRICS Policy Center, fez a cobertura da conferência diretamente de Dubai, com a coordenadora, Maureen Santos e a assistente de pesquisa Maria Beatriz Mello, in loco. A cobertura contou com resumos sobre os principais pontos debatidos, os discursos e acordos.
Após duas semanas de intensas negociações, a COP28 chegou ao fim com um documento final que aponta, de forma inédita, para a necessidade de eliminação dos combustíveis fósseis. O anúncio é histórico, visto que, em 28 anos de negociações, o tema nunca havia sido mencionado no texto de uma decisão final da COP, e surpreende pelo fato de ocorrer justamente em um país petroleiro, os Emirados Árabes Unidos. Ainda que se trate de um avanço sem precedentes, o documento não indica de forma clara como serão assegurados os meios de implementação, historicamente apontados como o pilar mais negligenciado do regime climático, uma tarefa que deverá recair sob o processo de preparação para a COP 30, a ser realizada no Brasil.
Uma COP de contrastes
Realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, de 30 de novembro a 13 de dezembro, a COP 28 contou com a participação de quase 100 mil pessoas, praticamente o dobro dos participantes da conferência do ano passado, realizada em Sharm El-Sheik, no Egito. A conferência foi, sem dúvidas, uma COP de contrastes: por um lado, notou-se a participação sem precedentes de lobistas do setor do petroleiro, enquanto por outro, a presença indígena foi histórica: 300 indígenas de todo o mundo estiveram presentes em Dubai, 100 desses de etnias brasileiras. Foi também a primeira vez que a delegação do Brasil, a segunda maior da COP, foi chefiada por uma liderança indígena. Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, assumiu o comando da representação do país no período entre de 03 e 07 de dezembro.
Mas as ambivalências também se notam quanto aos posicionamentos assumidos pelo Brasil. Enquanto a delegação diplomática brasileira atuou em meio aos espaços oficiais de negociação de forma incisiva, visando assegurar o objetivo de limitar o aumento de temperatura a 1.5º C e impulsionar o financiamento climático para as nações em desenvolvimento, o país recebeu o prêmio de Fóssil do Dia após o desastroso anúncio de ingresso à OPEP+, aliança de países produtores de petróleo que adota posicionamentos refratários quanto à transição energética. A “honraria”, concedida pelo Climate Action Network, escancara as contradições entre as políticas energética e ambiental do Brasil e coloca em xeque a imagem do país perante à comunidade internacional, justamente no momento em que o país assume a presidência do G20 e se prepara para receber a COP30. No mesmo dia em que era encerrada a COP 28, a Agência Nacional de Petróleo realizou o leilão de 603 blocos de petróleo e gás natural – alguns desses sobrepostos a unidades de conservação e a áreas indígenas e quilombolas – cuja exploração poderá colocar em risco as metas brasileiras de mitigação, conforme recém apresentadas à Convenção (Palmares, 2023).
A insistência brasileira em apostar na exploração de recursos fósseis contrapõe-se ao cenário de aprofundamento da crise climática, aos esforços políticos e diplomáticos para que o país assuma centralidade em meio a essa agenda e aos posicionamentos de nações vizinhas. Em Dubai, o presidente colombiano, Gustavo Petro, anunciou a adesão ao Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis e se comprometeu a não assinar novos contratos de exploração de carvão, petróleo e gás. Enquanto isso, o Brasil parece depositar todas as fichas em iniciativas de combate ao desmatamento, fundamentais para reduzir as emissões nacionais, porém insuficientes para garantir as metas brasileiras. No mais, ao emitir mensagens ambíguas no que se refere à sobrevida dos combustíveis fósseis em um mundo a beira do colapso climático, o Brasil não contribui com os esforços em curso para elevar a ambição climática dos países e assegurar um cenário de 1.5º C de elevação de temperatura.
As propostas brasileiras
Em discursos proferidos ao longo da COP, o presidente Lula criticou o não cumprimento dos compromissos climáticos e os gastos globais excessivos em armas, fez referência à atualização das Contribuição Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil e as apresentou como mais ambiciosas do que a de muitos países do Norte. O presidente também reafirmou o compromisso de zerar o desmatamento da Amazônia até 2030 e reafirmou os laços de cooperação com os demais países da região.
Durante a COP, Reino Unido e Noruega anunciaram novos aportes ao Fundo Amazônia, totalizando cerca de R$ 267 milhões. O Governo Federal apresentou a proposta brasileira de criação de um Fundo Global para a Preservação das Florestas Tropiciais. O mecanismo, que deve ter suas regras de operacionalização definidas até a COP 30, prevê o pagamento anual fixo por hectare de floresta preservada e a expectativa é que possa captar US$ 250 milhões, beneficiando cerca de 80 países detentores de florestas.
O Plano de Transformação Ecológica foi também apresentado pelo Ministério da Fazenda durante a COP 28. A iniciativa tem como objetivo acelerar a transição verde, promover o desenvolvimento sustentável e combater as desigualdades, conferindo ênfase à áreas como infraestrutura, energia e agricultura. De acordo com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o plano teria potencial de reposicionar o Brasil na vanguarda do desenvolvimento sustentável. Ainda que possa ser vista como uma iniciativa que busca promover uma mudança no modelo de desenvolvimento em curso, o Plano de Transformação Ecológica foi recebido com preocupaçaõ por movimentos sociais e organizações da sociedade civil do Brasil. Em Carta Aberta à Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e ao Ministro da Fazenda, Ferndo Haddad, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental critica a ausência de metas e de prazos claros para a realização da transição energética no Brasil, a falta de um plano de redução da produção de petróleo e gás, o interesse renovado, por parte do governo, em usinas nucleares, e apontam para os impactos socioambientais da corrida por novas tecnologias e fontes enerégticas, em especial, para as poopulações mais vulneráveis e os riscos de perpetuação da injustiça climática no país.
A participação da sociedade civil
Ainda que a COP 28 tenha ocorrido em um país hostil a manifestações democráticas, a sociedade civil se fez presente durante todo o período das negociações. No dia 8, ocorreram as atividades do Fridays for Future, quando jovens lideranças se reuniram para exigir a eliminação equitativa dos combustíveis fósseis e demandar o cessar-fogo imediato em território palestino. O dia 9, data da Ação Global pelo Clima, também foi marcado por manifestações que buscavam pressionar por resultados mais ambiciosos em meio aos espaços oficiais de negociação.
Movimentos e organizações sociais brasileiras anunciaram a Cúpula dos Povos, a ser realizada durante a COP 30, em Belém do Pará, em 2025. O documento intitulado “Carta ao governo brasileiro: Rumo à Cúpula dos Povos da COP 30” foi assinado por 40 organizações e movimentos populares e entregue nas mãos do presidente Lula por Maureen Santos, integrante da Carta de Belém e Coordenadora da Plataforma Socioambiental do BRICS Policy Center.
Após protestos e pressões frente à grave situação de suas minas de exploração de sal-gema em Maceió, a petroquímica Braskem cancelou sua participação na COP 28. Há anos, representantes da sociedade civil apontam para as contradições que envolvem a presença de grandes corporações, cujas atividades se apresentam como altamente prejudiciais ao meio ambiente e aos direitos humanos, nos espaços de negociação. A participação e incidência crescente desses atores vem tornando as negociações de clima um espaço privilegiado para a expansão dos negócios poluentes e para a multiplicação de iniciativas de greenwashing.
Os principais resultados da COP28
A COP 28 já foi iniciada com o anúncio de um resultado concreto. Ainda na sessão de abertura, foi oficializada a aprovação do Fundo de Perdas e Danos, cuja criação remete às negociações da COP 27 do ano passado. Imediatamente após o anúncio, Emirados Árabes Unidos, Alemanha e Japão apresentaram suas primeiras contribuições para o fundo, que será inicialmente administrado pelo Banco Mundial, destinado a endereçar os desafios dos países altamente vulneráveis aos efeitos climáticos. Ao final da COP, as promessas de desembolso já somavam US$ 800 milhões (Magnani, 2023).
Também foi definido que a sede da COP 29, a ser realizada em 2024, será Baku, a capital do Azerbaijão. Uma novidade que emerge dos processos da COP é o lançamento de uma troika, que será composta pelos presidentes da COP 28, COP 29 e COP 30. Assim, Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil devem liderar os esforços para elevar as ambições climáticas das partes e salvaguardar a meta de limitação de 1.5º C no aumento da temperatura global.
Outra grande expectativa em torno dessa COP foi a finalização do primeiro balanço global do Acordo de Paris, o Global Stocktake. Trata-se de um enorme inventário que tem como objetivo determinar o quão longo estamos de alcançar os objetivos de acordo e, com base na melhor ciência disponível, traçar os próximos passos para evitar que a janela de oportunidade para a garantia de um futuro climático seguro para as pessoas e o planeta não se feche. Nesse sentido, o conteúdo do balanço global deverá informar o processo de atualização da próxima rodada das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) a serem apresentadas até a COP 30. O documento apontou para a necessidade de se alcançar as emissões líquidas zero globalmente até 2050 e reduzir as emissões globais em 43% até 2030 e em 60% até 2035. Foi ressaltado também a centralidade dos meios de implementação e de ampliar o financiamento climático para garantir que as emissões globais sejam reduzidas no ritmo exigido para um cenário de 1.5º C. O documento também ressalta a importância crescente das iniciativas de adaptação, que devem ser informadas pelas prioridades e pelo contexto local.
“O Consenso dos Emirados Árabes”
Após dias tensos de negociação, no dia 13 de dezembro, um dia após o que seria a data de encerramento oficial da conferência, foi anunciado o “Consenso dos Emirados Árabes”, documento final adotado pelas partes da COP 28. O documento convoca os países a realizarem a transição de seus sistemas energéticos para longe das fontes fósseis de maneira justa, ordenada e equitativa, de modo a acelarar as ações, ainda nessa década, para atingir as emissões líquidas zero até 2050, de acordo com as prescrições da melhor ciência disponível. A adoção do termo “transição” ocorreu após pressões dos países petroleiros, que barraram a linguagem mais incisiva sobre a “eliminação” das fontes fósseis. Ainda assim, a inédita menção aos combustíveis fósseis, os maiores responsáveis pelas emissões globais, foi considerada uma vitória por muitos.
O documento também apresenta metas ambiciosas para potencializar o uso das energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030, sem apresentar maiores detalhes acerca de como essa transição será concretizada; menciona a redução progressiva das emissões não-abatidas advindas do carvão – em um claro e contraditório aceno à sobrevida desse recurso fóssil; salienta a necessidade de acelerar o desenvolvimento de tecnologias de zero ou baixo carbono, ressaltando o papel da energia nuclear e das tecnologias de captura e remoção em meio a esses esforços – em mais um de seus pontos contraditórios-; e adota uma linguagem dúbia para se referir à eliminação progressiva dos subsídios “ineficientes” aos fósseis. No mais, reconhece o papel dos “combustíveis de transição”, ou seja, fósseis, para a transição energética.
Conforme apontado pelo Secretário Executivo da Convenção, Simon Stiel, trata-se de um avanço insuficiente, mas que indica “o começo do fim” da era dos combustíveis fósseis.
Créditos
Pesquisa: Beatriz Mattos, Isabelle Caon, Maria Beatriz Mello e Maureen Santos
Texto: Beatriz Mattos