Os Efeitos da Pandemia no Mercado Internacional de Minério de Ferro: uma Análise das Exportações do Brasil para China de janeiro a agosto de 2020
Autor:
Cândido Grinsztejn | Estagiário programa LACID. Supervisão Prof. Maria Elena Rodriguez
Minério de Ferro no Comércio Bilateral Brasil – China
A China é o maior importador de minério de ferro a nível mundial desde 2014. Em 2019, ela respondeu por 69,1% das importações globais deste recurso natural [1]. As suas principais fontes de importação são a Austrália e o Brasil, os dois maiores exportadores de minério de ferro, correspondendo, respectivamente, 53% e 23% das exportações globais[2].
O minério de ferro tem uma importância gigantesca para a balança comercial brasileira e para a economia brasileira como um todo, pois ele é o terceiro item na pauta de exportação global brasileira, apenas atrás da soja e do petróleo bruto, respondendo por cerca de 10% das exportações nacionais em 2019 [3]. Além disso, o minério de ferro foi responsável por cerca de 82% do valor total da renda obtida com as exportações brasileiras de mineração no primeiro trimestre de 2020 em valor [4].
No comércio com a China, que representou 28,1% das exportações totais do Brasil em 2019, o minério de ferro tem um peso ainda maior, correspondendo a 21% do total de exportações que tiveram como destino a China no mesmo ano. O gigante asiático e o seu enorme apetite por minério de ferro, que é utilizado majoritariamente como matéria prima no seu forte setor siderúrgico para a produção de aço, foram o destino de 59,6% das exportações brasileiras deste recurso natural em 2019. A Ásia como um todo absorve 75% das exportações brasileiras de minério de ferro, sendo a Malásia e o Japão, os dois maiores importadores, além da China, respondendo por 8% e 4,7 %, respectivamente do total em 2019 [5].
As diferentes incertezas provocadas pela pandemia
O comportamento do mercado global de minério de ferro vem obedecendo as diferentes temporalidades de difusão da pandemia. Primeiramente, provocou incerteza quanto à demanda, dominada pela China, e, mais recentemente, vem gerando temores em relação à manutenção do ritmo de produção do Brasil, que afeta as suas exportações futuras e, consequentemente, a oferta global.
A China foi o epicentro inicial da pandemia da Covid-19. Com o agravamento da situação na passagem do mês de janeiro para o mês de fevereiro de 2020, o governo chinês aplicou medidas de restrição de movimento que implicaram na paralização de boa parte da sua atividade econômica. Tal cenário gerou temor para empresas de mineração envolvidas na extração de minério de ferro em regiões que ainda não haviam sido afetadas pela pandemia, como a brasileira Vale, visto que a receita operacional líquida dessa firma é dependente das exportações para a China [6].
O mês de fevereiro foi emblemático para termos noção da dimensão do desafio que a atual pandemia coloca à economia internacional. Em função das medidas de combate à Covid-19, a China, motor da economia mundial atualmente, viu uma retração bem significativa de sua atividade econômica. Tal retração se refletiu fortemente no seu setor industrial, contribuindo para uma contração de 6,8% do PIB chinês no primeiro trimestre de 2020 em relação ao primeiro trimestre de 2019. Apesar dos esforços e medidas restritivas de contenção da Covid-19, a produção chinesa de aço apresentou alta de 1,2% no primeiro trimestre de 2020 em relação ao primeiro trimestre de 2019. Contudo, a demanda chinesa por aço sofreu grande redução no primeiro trimestre, o que levou ao aumento do estoque de aço, que chegou ao nível recorde de 40 milhões de toneladas no início de março [7].
A partir do mês de março, a China iniciou a retomada da sua atividade econômica após um bem sucedido combate à primeira onda da pandemia. Em função da atividade industrial responder por 30% do PIB chinês [8], a retomada econômica coincide com uma retomada da atividade industrial. Assim os estoques de aço bruto vêm caindo, refletindo o reaquecimento da economia chinesa, auxiliado em parte por estímulos do governo, especialmente em projetos de infraestrutura.
Contudo, no mesmo momento que a China comemorava o êxito nacional no combate à Covid-19, a pandemia se espalhou pelo globo. Pelo fato de boa parte da produção de aço chinesa ser voltada para exportações, a redução do comércio internacional e da demanda global por produtos de aço, afetou a demanda por produtos de aços planos. Em contraste, a demanda por produtos de aços longos, derivada do setor de construção, que vem liderando a demanda por aço na China, foi alavancada em função de estímulos do governo para acelerar projetos de infraestrutura [9].
A coincidência do agravamento da pandemia da Covid-19 no Brasil com retomada do ritmo da atividade econômica na China e o correlato crescimento da demanda por aço na China, gera enorme incerteza. Assim, o temor chinês em relação à possibilidade de redução do ritmo de produção de minério de ferro da Vale, firma responsável pela grande maioria da produção e das exportações brasileiras, tem contribuído para um aumento de preços dos contratos futuros de minério de ferro negociados na China, que contém um prêmio de risco [10].
A produção brasileira de minério de ferro é bastante concentrada em dois Estados brasileiros, Pará e Minas Gerais, que respondem por mais de 90% exportação nacional da commodity em questão [11]. Assim, o andamento da pandemia nessas regiões é crucial para a oferta mundial de minério de ferro e tem sido observado com muita atenção e preocupação pela China. A evolução da pandemia no Estado do Pará será, especialmente, crítica para a produção nacional, para os preços internacionais do minério de ferro e para a indústria de transformação chinesa, visto que este Estado correspondeu a 51,5% das exportações nacionais do minério de ferro em 2019 e é responsável por 8% da oferta global de minério de ferro [12].
Parauapebas, município paraense no qual está situada a mina de Carajás, a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo, já é o segundo município com maior número de casos acumulados no Pará. A difusão da covid-19 no município, que tem atualmente cerca de 213.000 habitantes, segundo estimativas do IBGE, apresentou uma grande aceleração a partir do mês de junho, totalizando 20.364 casos acumulados até o dia 5 de setembro [13]. No município vizinho, Canaã dos Carajás, no qual está situado o altamente produtivo Complexo SD11, a situação também é preocupante. Dentro de uma reduzida população, estimada atualmente pelo IBGE em cerca de 38.000 pessoas, já foram contabilizados 3612 casos acumulados no município até o dia 12 de setembro [14].
Anteriormente, já havia ocorrido uma interdição de minas da Vale em Itabira (MG) entre os dias 5 e 17 de junho, após dezenas de trabalhadores terem testado positivo para Covid-19, impactando mais de 10% da capacidade de produção de minério de ferro da companhia [15].
Os Impactos da Pandemia no Comércio de Minério de Ferro entre Brasil e China
Analisando os primeiros oito meses de 2020 como um todo em relação ao mesmo período de 2019, ocorreu uma queda de 7,3% total das exportações brasileiras, somando 138,3 bilhões de dólares. Entretanto, ocorreu um aumento significativo da participação das exportações brasileiras que tem como destino a China no acumulado dos oito meses de 2020, alcançando impressionantes 34,2% [ 16].
No mesmo intervalo, o volume total de minério de ferro exportado pelo Brasil apresentou uma redução de cerca de 8,8%, totalizando 210 milhões de toneladas. A renda dessas exportações, por sua vez, apresentou uma redução de 6,4%, totalizando 14,2 bilhões de dólares. Já a participação da China como destino dessas exportações aumentou nos oito primeiros meses de 2020 em relação ao ano de 2019 como um todo, respondendo por 68,7% do total das exportações brasileiras de minério de ferro – um aumento de 9,1% [17].
Exportações do Brasil: O peso da China e do Minério de Ferro
2019 | 2020 (até agosto) | |
% do minério de ferro no total das exportações brasileiras | 10,1% (US$ 22,6 bilhões) | 10,3% (US$14,2 bilhões) |
% da China como destino das exportações totais brasileiras | 28,1% (US$63,35 bilhões) | 34,2% (US$47,34 bilhões) |
% do minério de ferro nas exportações brasileiras com destino à China | 21% (US$13,5 bilhões)
|
21% (US$ 9,7 bilhões) |
% da China como destino do total das exportações brasileiras de minério de ferro | 59,6% (US$13,5 bilhões) | 68,7% (US$ 9,7 bilhões) |
% do valor das exportações brasileiras de minério de ferro para a China nas exportações totais brasileiras | 6%
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7% |
Fonte: Comexstat
Cabe ressaltar que as exportações brasileiras apresentaram uma queda de 10% termos de volume (toneladas) no ano de 2019 em relação à 2018, contrariando uma tendência de crescimento anual que se matinha desde 2013 [18]. Tal fato se explica pelo desastre ambiental ocorrido em 25 de janeiro de 2019, envolvendo o rompimento de uma barragem de uma mina da Vale em Brumadinho (MG), que vitimou 270 pessoas e causou significativos impactos ambientais. O incidente levou a paralização posterior de minas que utilizassem barragens de modelo semelhante (a montante), o que contribuiu para a redução da produção da empresa em Minas Gerais [19].
Contudo, parte da queda do volume de exportações em 2020 foi compensada financeiramente devido ao aumento dos preços internacionais, suscitado pela queda de produção da Vale, que geralmente lidera como maior produtora mundial de minério de ferro. Dessa forma, a retomada da economia chinesa com a simultânea queda de produção brasileira, elevaram o preço por tonelada a patamares não vistos desde Brumadinho, ultrapassando a marca dos 120 dólares por tonelada para contratos futuros do minério na bolsa chinesa de negociação de commodities, em Dalian [20].
A produção da Vale também sofreu, além das chuvas no final de janeiro, com o atraso da retomada da atividade das minas Timbopeba e Fábrica, em Minas Gerais, devido a necessidade de realização de revisão de segurança após o rompimento da barragem de Brumadinho, mas também com a realização de uma manutenção não programada na gigantesca mina SD11, no Pará [21].
Tais fatores culminaram com a redução da produção da firma em 18% no primeiro trimestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019[22], que contribuiu para um volume de exportações relativamente baixo até maio de 2020, representando uma redução de cerca de 13,4% [23] do volume total de minério de ferro exportado pelo Brasil em relação aos cinco primeiros meses do ano passado. Nos três meses que se seguiram, as exportações apresentaram aumento considerável, mantendo-se acima do patamar de 30 milhões de toneladas, com pico em julho que registrou um total de 34 milhões de toneladas exportadas e fechando agosto com 31,3 milhões de toneladas [24].
A princípio, a incerteza em relação a manutenção da produção brasileira poderia levar ao gigante asiático a importar mais da Austrália, tornando-se mais dependente deste fornecedor. Contudo as relações entre os dois países estão um tanto estremecidas em função de disputas comerciais, que se iniciaram após Austrália ter pedido no mês de maio uma investigação independente sobre as origens do coronavírus, que culminou com a introdução de uma tarifa de 80% sobre a cevada australiana e restrições de alguns frigoríficos australianos por Pequim [25].
A grande preocupação chinesa com a incerteza quanto à evolução tanto da situação no Brasil em meio ao desenvolvimento de disputas com a Austrália, revela mais uma vez a sua dependência destes dois exportadores no curto prazo, ficando sujeita a aumentos de preço repentinos, em função de eventos adversos que impactam as exportações dos seus principais fornecedores e que fogem totalmente ao seu controle. Tal dependência ficou bem visível em 2019, quando a China teve que arcar com importações mais caras em função do desastre em Brumadinho, que foi seguido, dois meses depois, pela ocorrência do furacão Veronica na Austrália, que fez despencar as exportações australianas ao seu menor nível em três anos [26].
Contudo, há a existência capacidade instalada ociosa para a extração de minério de ferro em diversos países produtores, que são acionadas conforme a demanda. Então no caso de interrupção ou redução das exportações de um grande produtor, como o Brasil, os preços disparam, mas com a entrada em operação da capacidade ociosa eles tendem a declinar gradualmente [27].
Referências Bibliográficas
[1] https://www.statista.com/statistics/270008/top-importing-countries-of-iron-ore/
[2] https://www.statista.com/statistics/300328/top-exporting-countries-of-iron-ore/
[3]; [5]; [11]; [16]; [17]; [18]; [23]; [24] Dados do Comexstat
[4]http://portaldamineracao.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Boletim_SGM-3_06-3.pdf
[8]https://www.statista.com/chart/20858/top-10-countries-by-share-of-global-manufacturing-output/
[10] O preço negociado para esses contratos futuros reflete o preço praticado nos portos dos países exportadores, acrescido do frete e de um adicional, em função da incerteza com relação a produção futura.
[12]https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2020/06/02/investidores-atentos-a-oferta-de-minas-da-al-com-avanco-de-virus.htm
[13]https://bigdata-api.fiocruz.br/relatorios/Parauapebas%20PA.html
[14] https://bigdata-api.fiocruz.br/relatorios/Canaa%CC%83%20dos%20Caraja%CC%81s%20PA.html
[19] Naquele ano a produção da Vale teve queda de 21,5% em relação à 2018, totalizando 301,9 milhões de toneladas – mais de 80 milhões de toneladas a menos. Assim, os números das exportações de 2020 representam uma retração em cima da queda apresentada ao longo de 2019 e só não foram piores devido ao uso de estoques de minério de ferro por parte da empresa. Disponível em: >https://www.otempo.com.br/economia/interrupcoes-em-minas-reduzem-producao-da-vale-em-21-5-1.2296419<
[21]https://exame.com/negocios/coronavirus-e-1o-tri-fraco-fazem-vale-cortar-metas-de-producao-para-2020/
[25]https://www.moneytimes.com.br/china-mira-mais-exportacoes-da-australia-em-conflito-sobre-virus/
[26] https://www.noticiasdemineracao.com/minerio-de-ferro/news/1365847/minerio-de-ferro-acumula-ganhos-de-60-em-2019
[27] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-02/ibram-producao-de-minerio-em-2019-caiu-mas-faturamento-cresceu
Imagem: Fonte (Gabriel Araujo / reprodução Uol Economia)