ENTREVISTA COM DANIEL BALABAN PARA O PROJETO SOUTH-SOUTH COOPERATION

Confira a entrevista com o Sr. Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra a Fome, do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas – PMA, para o projeto South-South Cooperation.

SSC: Qual das iniciativas do Centro o senhor considera como sendo a de maior referência e impacto?

Daniel Balaban: Todas as iniciativas do centro de excelência tem um impacto, não dá pra falar apenas numa. Mas o mais interessante é fazer a cooperação internacional da forma que estamos fazendo com os países que se interessam. O Programa Mundial de Alimentos, a maior agência de cooperação do mundo, normalmente não trabalha com cooperação para o desenvolvimento, é uma agência de ação, que vai lá e faz. Hoje há cinco High-Level Task Force que estão acontecendo dentro do PMA em nível máximo de emergência no mundo: na Ucrânia, no Iraque, na Palestina, no Sudão do Sul e na questão do Ebola, o que nunca aconteceu na história (5 operações de emergência de alto nível). O PMA é uma agência preparada para atender as pessoas em situações de emergência.

A cooperação para o desenvolvimento é diferente: trabalha com as pessoas para que elas criem condições e instituições para que elas não necessitem dessa ajuda humanitária no futuro. Criar essas condições é muito mais demorado e difícil, em qualquer país do mundo: tem que desenvolver, criar suas instituições, fazer suas políticas e isso é algo extremamente complexo. Hoje temos trabalhado apoiando esses países a criarem essas instituições para que eles não dependam de ajuda externa ou organismos internacionais. É um trabalho difícil que deve ter o comprometimento muito grande dos governos e dos cidadãos, da sociedade civil. Eles confiam muito porque vislumbram o Brasil como um país que era extremante dependente de ajuda externa e que hoje dá ajuda. O Brasil realmente se desenvolveu nos últimos anos e conseguiu sair do patamar de um país pobre para um país já respeitado no cenário internacional.

SSC: Quais são as fontes de recursos do Brasil para os projetos em parceira com o Centro?

Daniel Balaban: Como o Brasil não tem uma centralização da origem de recusos para cooperação, existe o financiamento de atividades vindas de diferentes ministérios. O recurso que nós temos e que nós apoiamos dentro do Brasil vem do Ministério da Educação (MEC), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a cooperação aos países na criação de programas de alimentação escolar, por isso Educação.

Ajudamos os países a criar programas de alimentação escolar baseados na compra da agricultura familiar local: fazer com que os pequenos agricultores familiares produzam alimentos e que esses alimentos sejam comprados pelo governo para alimentar e manter as crianças na escola e, ao mesmo tempo, desenvolver a agricultura familiar desses países. Tem sido uma demanda muito forte nos países do mundo a preocupação muito grande com fome e com a fome oculta: a falta de nutrientes – muitas vezes você está com fome e se entope de alguma coisa, você não fica mais com fome, mas não está nutrido e vai morrer do mesmo jeito. Nosso corpo necessita de equilíbrio, de nutrientes. Quem produz os alimentos saudáveis como  frutas, verduras e legumes que dão a quantidade de nutrientes, vitaminas e proteínas necessárias? São os pequenos agricultores familiares que farão com que essa comida chegue. Se você compra qualquer suco de caixinha, não há nada de natural. Hoje o mundo está se preocupando cada vez mais com essa questão, então, criar esses programas faz com que haja educação nutricional às crianças, e a criança que aprende isso desde cedo vai ser um adulto com menos doenças. Hoje, 80% das doenças que os hospitais tratam são oriundas da má alimentação, das porcarias que a gente come no dia a dia. Então, se desde criança começa-se a entender isso, os custos de saúde do país diminuirão.  É preferível hoje criar programas de incentivo a educação e alimentação escolar porque no futuro se economizará. É esse componente que vem do Ministério da Educação e, por isso, hoje a Educação é nosso principal parceiro.

SSC: Na sua visão, como o Brasil pode aumentar o protagonismo e otimizar essas políticas de cooperação da área de segurança alimentar e nutricional?

Daniel Balaban: Primeiro, o Brasil tem que criar uma unicidade, que não existe. Há várias iniciativas de vários atores, mas não existe quem acompanhe para que o Brasil saiba o que estão fazendo. O Brasil precisa, primeiro, entender a importância da cooperação para que seja respeitado como um player no âmbito internacional. Não adianta apenas chegar e dizer que quer um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O que faz para conseguir esse assento? É preciso botar as cartas na mesa e dizer no que você influencia no cenário internacional, e a cooperação é uma influência. Para ter uma ideia disso, o Reino Unido tem orçamento do Departament of International Development (DFID) que coopera aqui com o BRICS e com o Centro de Excelência. Os britânicos são inteligentes, o DFID tem um orçamento bilionário para a cooperação, e por que fazem isso? Porque há retornos muito fortes em termos de influência do país. E o Brasil ainda tem muito que avançar nesta área.

 

SSC: Qual o impacto que o estabelecimento do Centro de Excelência tem para a agenda doméstica brasileira na área de segurança alimentar?

Daniel Balaban: Na agenda doméstica trabalhamos muito apoiando o FNDE, que tem um orçamento e que nos ajuda e nos banca. Mas ele tem que cuidar de todo o programa de alimentação escolar no Brasil e ele tem uma rede de universidades  que apoiam. O programa de alimentação escolar brasileiro tem formato de descentralização: os recursos são descentralizados para cada município de acordo com o número de alunos que casa município tem. Então, dependendo de onde estão esses alunos (são indígena, quilombolas, estão na creche, no ensino médio) existe quantidade de recurso unitário per capita que é repassado todos os meses. Isso é feita através de uma conta específica que é manejada e coordenada pelo prefeito da cidade. Para evitar o desvio desses recursos, criou-se em todos os 5564 municípios o conselho de alimentação escolar que deve estar legalmente instituído. São pais de alunos , diretores de escolas, professores e escolas, pessoas da sociedade civil que são nomeados como conselho e investigam o quanto de recurso entrou, se os recursos foram comprados. Há normas: não pode comprar alimentos gordurosos, biscoitos com recheio, refrigerante, tudo tem que ser equilibrado e a própria nutricionista tem que fazer um menu equilibrado. Esse conselho tem que ser treinado para essa verificação. Quem faz isso são as universidade e nós ajudamos a organizar, criar cartilhas. Quando acaba o mandato de um, é preciso treinar um outro. Os conselhos são extremamente importantes para a redução dos desvios de recursos da merenda escolar. Há 10 anos, os escândalos da merenda escolar eram recorrentes, e ainda  ocorrem, mas hoje há muito menos por causa dessa participação social na fiscalização. O centro ajuda para apoiar e para trazer a discussão dos temas para serem melhorados, todos os programas têm que melhorar continuamente, as coisas vão mudando e temos que estar sempre aperfeiçoando. Nesse ponto a gente tem papel fundamental.

 

*** Comentário adicional: Brasil hoje está na fase de adolescência: não se comporta como país desenvolvido e também não é um país pobre, receptor de ajuda internacional. Quando a gente criou o Centro, perguntaram se não achávamos um contrassenso o Brasil, como pais pobre, estar ajudando outros países. Vê-se que o sentimento de vira lata ainda é muito arraigado, não há discussão sobre isso no Brasil, não há candidatos a presidente e jornalistas que toquem no assunto de política externa.  Nos EUA existe debate só sobre política externa, está arraigado na cultura, a população esta sempre discutindo. Mas no Brasil acham que isso é perda de tempo, que temos muito trabalho pra resolver aqui e que não dá pra pensar nos outros. É um raciocínio arcaico e que em termos de desenvolvimento e estratégia é um pensamento burro porque deixa-se de ganhar uma séria de oportunidades e que não são só comerciais (que surgem porque países que se sentem bem com o Brasil abrem as portas). O país que não investe nisso está perdendo oportunidades.

Isso vai mudar no momento em que os profissionais e estudantes de Relações Internacionais  começarem a discutir isso. Queremos Brasil aberto ou fechado? Nesse ponto, temos um trabalho muito forte de discutir o Brasil não internamente, mas o Brasil que queremos para o cenário externo. Cooperação não é perda de tempo e dinheiro, ninguém coopera com muitos recursos por desinteresse. Tudo é estratégia. Estados Unidos, Reino Unido, China, Rússia e Índia estão fazendo estratégias. O Brasil está atrasado neste ponto. Cabe ao Brasil começar a debater e discutir esse tema mais abertamente com as pessoas. Os jornais inteiros tem apenas uma página falando sobre o política internacional, isso não é cabível. Precisamos nos desenvolver, queremos influenciar mas não participamos dos debates. O Brasil só vai conseguir influenciar quanto participar ativamente dos debates em todos os temas e, para isso, o país precisa estar preparado.